Por Jorge Lobo
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp nº 1.532.943-MT, deu provimento, por maioria, ao recurso especial e julgou válida e eficaz a cláusula do plano de recuperação judicial da recorrente, que suprimiu todas as garantias reais e fidejussórias dos contratos bancários e de fornecimento de bens e serviços dos credores que votaram a favor de sua aprovação e também todas as garantias dos credores ausentes, dos que se abstiveram de votar e até dos que se opuseram à deliberação assemblear.
A decisão do STJ deve ser revista e reformada, pelo ineditismo da tese – foram extintas as garantias para “que possa a recuperanda exercer suas atividades com o nome limpo” -; pelos efeitos práticos – a devedora poderá, de imediato e a seu livre alvedrio, dar os mesmos bens móveis e imóveis em garantia real de novas dívidas -; pelas consequências econômicas – a restrição dos empréstimos e financiamentos bancários e a elevação da taxa de juros em decorrência do aumento do risco de crédito.
E outrossim pelos fundamentos do douto voto do eminente ministro Otávio de Noronha, que me honrou com excerto de minha lavra, e por não ter amparo na mens legislatoris, nem resistir à exegese literal, sistemática e finalística da Lei nº 11.101, de 2005 (LRE).
A decisão deve ser revista e reformada, pelo ineditismo da tese, por seus efeitos práticos e suas consequências econômicas
O senador Ramez Tebet, autor do Parecer nº 534 sobre o PLC nº 71, de 2003″ (que se transformou na LRE), esclarece, de forma lapidar, qual foi a intenção e a vontade do legislador ao modificar o art. 59 da LRE: “A Emenda nº 142 acrescenta ao artigo 59 do Substitutivo a expressão “observado o disposto no parágrafo único do art. 50 com relação às garantias reais, que serão mantidas”, a fim de deixar claro que a novação das obrigações sujeitas à recuperação judicial não implica perda das garantias” (p. 17).
Ao tratar dos “princípios adotados na análise da PLC nº 71, de 2003”, o Parecer enfatiza a imperiosa necessidade de estimular a: “6) Redução do custo do crédito no Brasil: é necessário conferir segurança jurídica aos detentores de capital, com preservação das garantias e normas precisas sobre a ordem de classificação de créditos na falência, a fim de que se incentive a aplicação de recursos financeiros a custo menor nas atividades produtivas, com o objetivo de estimular o crescimento econômico” (p. 30).
No título “III – Parecer sobre as Emendas”, o Senador Tebet afirma, categoricamente: “É necessário que a garantia real do crédito no Brasil – a exemplo do que ocorre na grande maioria dos países desenvolvidos – seja efetiva, a fim de que haja estímulo à concessão de financiamento e, assim, promova-se o investimento dos recursos financeiros na atividade produtiva, a expansão do acesso ao crédito e seu barateamento, com a redução do chamado spread bancário” (p. 55).
A intenção e a vontade do legislador estão positivadas no art. 49, §4º, da LRE, que exclui dos efeitos da recuperação judicial os créditos decorrentes de alienação fiduciária em garantia de bens móveis ou imóveis, de cessão fiduciária em garantia de recebíveis performados ou a performar, de arrendamento mercantil, entre outros, e, sobretudo, no art. 50, §1º, que dispõe: “Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou a sua substituição somente serão admitidas mediante expressa aprovação do credor titular da respectiva garantia”.
E mais: rompendo com antiquíssima tradição do direito pátrio e opondo-se ao voraz apetite do governo federal de arrecadar, a LRE, ao enumerar a ordem dos créditos na falência, privilegiou os “créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado” (art. 83, II), classificando-os antes dos “créditos tributários” (art. 83, III).
E ainda: imbuída de idêntico propósito, para, mais uma vez, evidenciar que somente com a anuência expressa do credor o plano de recuperação pode suprimir ou substituir a garantia real ou fidejussória, a LRE, no Capítulo VI, que disciplina a “Recuperação Extrajudicial”, repete, com as mesmíssimas palavras empregadas na redação do art. 50, §1º, “sem tirar nem por”: “Art. 163, § 4º: Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante a aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.”
À mens legislatoris e à mens legis, soma-se a jurisprudência da 4ª Turma do STJ, expressa no julgamento do REsp. 1326888/RS, em que se decidiu, por unanimidade, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão: “1…. a novação decorrente do plano de recuperação traz como regra a manutenção das garantias (art. 59, caput, da Lei nº 11.101/2005), sobretudo as reais, as quais só serão suprimidas ou substituídas “mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia”, por ocasião da alienação do bem gravado (art. 50, § 1º)…. 2. Portanto, muito embora o plano de recuperação judicial opere novação das dívidas a ele submetidas, as garantias reais ou fidejussórias, de regra, são preservadas…”.
Fonte: Valor Econômico