Os pedidos de recuperação judicial (RJ) seguem avançando no agronegócio. No segundo trimestre de 2025, o setor teve 565 solicitações da medida — alta de 31,7% em comparação ao mesmo período do ano anterior (429) e de 45,2% frente ao primeiro trimestre deste ano (389). Os dados foram divulgados nesta segunda-feira, 29, pelo indicador Datatech da Serasa Experian.
Marcelo Pimenta, head de agronegócio da Serasa Experian, explica que a surpresa no segundo trimestre foi o fato de produtores que atuam como pessoa jurídica (PJ) — que possuem maior porte e mais organizados em sua maioria — terem uma quantidade superior de RJs do que produtores que atuam como pessoa física (PF). “É a primeira vez que isso acontece desde o último trimestre de 2023, quando as RJs de produtores PF experimentaram um rápido crescimento. Ainda estamos avaliando se houve um represamento de pedidos ou alguma mudança no perfil”, afirma.
Conforme o levantamento, no período, foram 243 requisições de RJs de produtores rurais que trabalham com perfil de pessoa jurídica . Na comparação com o mesmo trimestre de 2024, houve uma alta de 100,8% nos pedidos.
Ainda de acordo com os dados, nessa categoria, o maior número de pedidos foi realizado pelos produtores rurais que atuam com o cultivo de soja. Na categoria, foram 192 solicitações feitas. Além disso, aqueles que realizam a criação de bovinos também tiveram destaque, com 26 pedidos de recuperação judicial.
No caso dos produtores pessoa física, também houve aumento no número de pedidos de RJs, com 220 registrados no segundo trimestre de 2025 – contra 214 no mesmo período do ano passado.
Goiás e Mato Grosso
No segundo trimestre de 2025, cinco estados se destacaram pela concentração de pedidos de RJs no agronegócio. Segundo o levantamento, Goiás lidera o ranking, com 94 solicitações, seguido por Mato Grosso, que somou 73 processos no período.
Na sequência, aparecem Rio Grande do Sul (66 pedidos), Minas Gerais (63) e Paraná (63). O quadro evidencia que a dificuldade financeira atinge tanto regiões tradicionalmente produtoras de grãos quanto áreas de pecuária.
Rio Grande do Sul
Apesar de aparecer em terceiro lugar, a situação de endividamento no Rio Grande do Sul levanta preocupações pelas perdas consecutivas com safras. De acordo com levantamento feito pelo escritório MSC Advogados, considerando o período de janeiro até 23 de setembro de 2025, as dívidas de produtores e empresas do setor rural que buscam reestruturar seu passivo corresponde a R$ 1,6 bilhão.
Das seis comarcas empresariais do Estado, Santa Rosa e Passo Fundo respondem por 87% dos valores nos processos relacionados ao agronegócio. Os municípios do noroeste contabilizam o maior passivo: R$ 861,7 milhões. Já os municípios da região do planalto médio acumulam R$ 535,5 milhões em dívidas.
O advogado Guilherme Caprara, sócio do escritório, observa que a dependência de crédito continua sendo o ponto mais crítico do agronegócio. “Embora se ventile que são recordes as linhas de crédito rural, o que se vê é que elas são insuficientes diante do volume necessário. Esse é um problema estrutural que precisa ser revisto”, afirma.
Segundo ele, a limitação de fornecedores de insumos agrícolas e comercializadoras de grãos e sementes também impõe limitações na formação de preços, prejudicando os produtores. Além disso, o advogado reitera que o cenário de juros elevados amplia a pressão sobre o grupo. “Você imagina um produtor rural que se financiou para a aquisição de implementos agrícolas em 2022, com juros de 4% a 4,5%, e hoje paga 15%. A atividade não gera margem suficiente para arcar com esse custo. Isso mostra por que tantos recorrem à recuperação judicial”, salienta.
Caprara relembra que a possibilidade de o produtor rural recorrer à recuperação judicial é recente, de 2021. Na época, a Lei 14.112 entrou em vigor, modificando a Lei de Recuperação Judicial, possibilitando, a partir de então, que produtores rurais recorram ao instrumento. A inclusão abriu espaço para que o grupo buscasse a ferramenta de reestruturação, o que explica parte do crescimento dos pedidos observados nos últimos anos.
O advogado reforça que é fundamental fazer um diagnóstico profundo da crise e avaliar, com uma empresa especializada, se a recuperação é viável ou se outras ferramentas, como recuperação extrajudicial ou renegociação de prazos com os bancos, podem ser suficientes. “Existem recuperações judiciais que estão sendo vendidas como milagres, mas, muitas vezes, não é o que parece. Então, é preciso fazer um estudo aprofundado para entender se o instrumento realmente trará um benefício ou prejuízo para a atividade empresarial do produtor”, observa.
Fonte: Estadão Agro