Por Laura Ignacio | De São Paulo
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) deve intensificar a penhora de previdência privada para a quitação de débitos tributários. O órgão formalizou orientação aos procuradores para solicitar a penhora desses ativos. A expectativa da PGFN é superar a marca de R$ 6 bilhões em créditos da União e do FGTS recuperados por meio de execuções fiscais este ano. Em 2017, o órgão recuperou R$ 5,2 bilhões.
“Embora não seja possível estimar, no momento, o incremento que essa nova orientação representará na recuperação por meio das execuções fiscais, é certo que a PGFN vem obtendo melhores resultados graças ao cruzamento de dados para a identificação de patrimônio de devedores, além do desvendamento de fraudes”, informa o órgão por nota.
Recentemente publicada, a Portaria nº 376 baseia-se na Lei de Execuções Fiscais (6.830, de 1980) e altera a Portaria da PGFN nº 396, de 2016. Ela orienta o procurador a fazer “penhora de saldos em conta corrente, aplicações financeiras de renda fixa e variável, aplicações em moeda estrangeira, planos de previdência privada, consórcios e demais ativos financeiros, a ser realizada via Bacenjud”.
Segundo a PGFN, haverá pedido de penhora de aplicação em previdência privada quando esse ativo for identificado no resultado do diligenciamento patrimonial efetuado pelo órgão em relação ao devedor executado judicialmente. Para a procuradoria, a Lei de Execuções Fiscais determina que a penhora deve recair prioritariamente sobre dinheiro, inclusive sobre o aplicado no mercado financeiro. “A legislação brasileira não elenca aplicações em fundos de previdência no rol dos bens impenhoráveis, especialmente quando o plano de previdência é desnaturado para caracterizar uma mera aplicação financeira”, diz.
Contudo, advogados questionam a legalidade da penhora de previdência privada. Para o tributarista Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados, se alguém contrata a previdência privada não pode estar sujeito à penhora porque tais valores têm natureza alimentar, como a aposentadoria pública. Ele lembra que o artigo 833 do Código de Processo Civil diz claramente que são impenhoráveis proventos de aposentadoria, pecúlio e pensões. “Não pode haver penhora tanto da aposentadoria pública como da aposentadoria privada e há jurisprudência que garante isso”, diz.
Em 2014, a 2ª Seção do Superior tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o saldo de fundo de previdência privada complementar na modalidade Plano Gerador de Benefícios Livres (PGBL) não pode ser penhorado para o pagamento de dívidas. Segundo a decisão, haveria exceção apenas para “situações em que a natureza previdenciária do plano é desvirtuada pelo participante”. Os ministros analisaram o tema ao julgar o recurso de um ex-diretor do Banco Santos.
Com base na decisão do STJ e em como agentes financeiros têm estruturado planos de previdência, o tributarista Renato Vilela Faria, sócio do Peixoto & Cury Advogados, pondera que o Judiciário passou a exigir uma análise mais criteriosa para decidir se estes montantes podem ser penhorados. “Grandes grupos financeiros, fintechs ou seguradoras hoje capitaneam volume relevante de dinheiro sob o argumento de que tais investimentos possuem uma espécie de ‘colete a prova de balas’”, diz. Porém, segundo Vilela, se houver elementos que indiquem que tais recursos não têm natureza alimentar – com função de aposentadoria – ou se o total dos recursos mantidos em previdência privada representar uma soma superior ao necessário para o sustento da família do devedor, é provável que o juiz determine o bloqueio.
Já para o advogado Renato Caumo, do Pinheiro Neto Advogados, o que mais preocupa sobre a nova regra da PGFN é que muitos bloqueios de previdência privada, provavelmente, acontecerão nos casos de pequenas dívidas. “Isso ocorre com frequência nos casos de sócios minoritários ou administradores de pequenas empresas, que muitas vezes são acionados judicialmente vários anos depois de as empresas terem encerrado suas atividades, ou mudado de endereço”, diz. Segundo Caumo, é mais difícil que isso aconteça com executivos de grandes empresas porque, comumente, eles precisam de certidões de regularidade fiscal. “Por isso, cuidam para que os processos fiscais tenham sempre garantia válida, afastando a imposição de penhora”, afirma.