Por Marcelo Barbosa Sacramone
Diversos projetos de lei têm sido apresentados ao Congresso Nacional para alterar a Lei de Insolvência Brasileira.
Com o entendimento de que os interesses dos credores não eram os únicos a serem afetados por uma crise do empresário devedor e de que a concordata era instrumento insuficiente ao empresário para a superação da crise, a lei 11.101 foi em 2005 promulgada. Dentre seus objetivos, orientava-se pela preservação da atividade empresarial, pois, nas palavras do senador Ramez Tebet, autor do relatório apresentado à Comissão de Assuntos Econômicos à época sobre o Projeto, “gera riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento social do país”.
Essa preservação da atividade empresarial, em benefício de todos os envolvidos, foi estruturada por meio de dois sistemas: a recuperação e a falência.
Diante de uma crise econômico-financeira temporária e reversível, permitiu-se ao empresário devedor, por meio do instituto da recuperação, negociar com os seus credores uma solução comum para a superação da crise que acometia a atividade. A preservação da atividade empresarial viável sob a condução do empresário, orientada por um plano de recuperação judicial negociado com os credores, poderia resultar na maior satisfação de todos os interessados.
A postergação injustificada de uma liquidação forçada de uma empresa economicamente inviável sob a condução do devedor, contudo, apenas protelaria sua falência e consumiria os recursos escassos. Inviável a condução da empresa pelo devedor, a decretação da quebra, com a imediata alienação dos bens, permitiria a preservação da empresa por meio da arrematação dos bens do falido por outros empresários, que passariam a desenvolver a atividade de forma mais eficiente e em benefício de toda a coletividade.
Passados 14 anos de vigência da lei, todavia, tais objetivos não têm sido satisfatoriamente alcançados. Em estudo realizado pelo Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Insolvência da PUC/SP (NEPI), em parceria com a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), foi constatado que, embora 72,1% dos planos de recuperação judicial tenham sido aprovados pela Assembleia Geral de Credores, apenas 18,2% dos processos de recuperação judicial efetivamente conseguiram se encerrar sem a decretação da falência pelo cumprimento ao menos das obrigações vencidas nos dois primeiros anos, ainda que o plano mediano de pagamento das obrigações quirografárias seja de aproximadamente 10 anos.
Se a recuperação judicial aparenta não permitir a concessão da recuperação apenas aos empresários com atividades economicamente viáveis, a falência também não tem sido eficiente a permitir a maximização do valor dos ativos e da satisfação dos interesses dos credores. Conforme estudo de Jupetipe, Martins, Mário e Carvalho, os processos de falência duraram, em média, 9,2 anos, com alienação de bens que resultou em perda de valor de 46,84% e ressarcimento aos credores de apenas 12,4% do montante devido.
A lei 11.101/05, pelos resultados objetivamente colhidos até então, decerto, precisa de pontuais ajustes.
Dentre as últimas alterações propostas ao Projeto de lei 6.229/2005, várias são pertinentes a tornar mais eficiente o procedimento de insolvência. Destacam-se as alterações no procedimento de verificação de crédito, com a limitação temporal às habilitações retardatárias e a formação do quadro geral de credores provisório; a desburocratização das publicações das convocações; a proteção ao investidor; a célere liquidação dos bens no procedimento falimentar, com determinação de prazo ao administrador judicial e previsão de valor mínimo escalonado de alienação.
A inserção da proposta de alteração ao art. 56 da lei 11.101/05, à revelia da comunidade acadêmica e dos aplicadores, contudo, poderá colocar tudo a perder.
Nos termos do dispositivo da proposta, diante da rejeição do plano de recuperação apresentado pelo devedor, permite-se a apresentação de plano alternativo pelos próprios credores, com a isenção das garantias pessoais prestadas pelos sócios em relação aos créditos a serem novados. A despeito dessa possibilidade de propositura, não foram inseridos qualquer parâmetros a exigirem que o empresário devedor requeira as medidas de reestruturação, nem foi permitido que os credores, ainda que possam apresentar plano alternativo, possam requerer o ingresso em recuperação do devedor em crise.
A proposta de alteração da lei, sem maiores estruturações ou quaisquer análises, pode criar incentivo perverso. Ao permitir que o plano de recuperação judicial seja apresentado pelos próprios credores, sem que possam também requerer a recuperação do devedor ou sem que haja parâmetros para que esse seja compulsoriamente submetido ao procedimento, desincentiva a negociação entre devedor e credor na busca de uma solução comum. Mais que isso, incentiva os credores a rejeitarem quaisquer propostas apresentadas pelo devedor como condição para apresentarem o próprio plano de recuperação judicial a ser por eles próprios aprovado.
A circunstância de a propositura do plano alternativo implicar a isenção das garantias pessoais prestadas pelos sócios em relação aos créditos a serem novados não freia o comportamento estratégico dos credores. Apenas fará com que a maioria dos credores, de modo ainda mais oportunista, aprove plano de recuperação judicial por ela proposto em detrimento dos próprios credores minoritários e detentores das garantias pessoais.
Nesse cenário provável, com o risco de afastamento da condução de sua própria empresa e a possibilidade de confisco dos seus ativos pelos próprios credores à sua revelia e sem que haja absolutamente qualquer parâmetro que obrigue o empresário devedor a requerer as medidas de restruturação ou a elas se sujeitar, o comportamento esperado do empresário devedor será o de mitigar seu risco e maximizar sua utilidade. Mesmo em crise econômico-financeira, o empresário devedor simplesmente optará por não ingressar com o pedido de recuperação.
Sem processo, as diversas alterações benéficas propostas pelo projeto de lei 6.229/2005 não terão onde ser aplicadas e, pior, o empresário brasileiro continuará sem ter um instituto adequado para que possa superar a crise financeira que acomete sua atividade e que permitiria o desenvolvimento econômico nacional.
Fonte: Migalhas