Com dívidas de R$ 2 bilhões, grupo dono da MMartan e Santista enfrenta crise financeira
Após anos em crise, o grupo Coteminas e empresas a ele ligadas pediram recuperação judicial na segunda-feira (6) por conta de uma dívida de R$ 2 bilhões, como antecipou ontem o Valor Pro, serviço de notícias em tempo real do Valor. O pedido já foi concedido na noite de terça-feira pela 2ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte. Entre os credores, além de grandes bancos, dizem fontes, é provável que esteja a plataforma chinesa Shein, que financiou uma das companhias do grupo no ano passado. A lista de credores segue sob sigilo a pedido da companhia.
Pela lista geral de recuperações após 2023, a da Coteminas está entre as cinco maiores dos últimos dois anos, superando a da rede Dia e a da SouthRock (Subway e Starbucks). Procurado, o grupo não respondeu aos pedidos de entrevista.
Presidida pelo empresário Josué Gomes – filho do ex-vice-presidente da República, José Alencar, e atual presidente da Fiesp, a maior entidade industrial brasileira – a companhia não conseguiu renegociar uma parcela das dívidas, e corria o risco perder a Ammo Varejo, dona da MMartan, Santista, Casa Moysés e Artex, a um dos credores, a gestora Farallon.
Essa foi, entretanto, apenas a gota de água numa operação em situação difícil há anos. Como o próprio pedido de recuperação retrata, os problemas começaram em 2008, com a alta do dólar afetando exportações das marcas, se aceleraram com a recessão do varejo em 2015 e 2016, e depois, uma deterioração das condições gerais do grupo na pandemia tornaram o quadro insustentável.
As vendas caíram por anos, o grupo alavancou-se mais (a alta dos juros após 2021 pesou mais nessa linha), e a companhia não conseguiu recuperar o desempenho mesmo após a boa fase do setor, quando a demanda por produtos para casa disparou entre 2020 e 2021. A receita bruta das empresas do grupo foi reduzida de R$ 3 bilhões em 2021 para R$ 1 bilhão em 2023, diz ela nos autos obtidos pelo Valor.
Em 2019, os prejuízos acumulados das empresas do grupo, que pediram recuperação, já eram de R$ 519 milhões. Em 2023, atingiu R$ 759 milhões, dizem advogados.
O que também chama a atenção na petição são as informações relacionadas a um acordo de emissão de debêntures, de R$ 180 milhões, fechado em 2022, com a gestora Farallon, que controla o fundo Odernes. O grupo diz que, já numa situação difícil de caixa, fechou o acordo como uma espécie de “Pré-IPO” da empresa Ammo Varejo, controlada pela companhia, que já havia sinalizado ao mercado uma possível abertura de capital, apesar da situação difícil na época. Como garantia das debêntures emitidas foram outorgadas ações de emissão da Ammo Varejo.
No fim do primeiro trimestre de 2023, no exercício dos direitos decorrentes do instrumento da debêntures, a Farallon pediu a troca do CEO da Ammo por um novo presidente de sua confiança, e entrou Élio Franca e Silva em 2023.
No entanto, a Coteminas afirma que, entre abril e dezembro de 2023, na gestão de Silva, a Ammo teve “os piores resultados de sua história”. E por causa da entrada do indicado pelo fundo, a geração de caixa média mensal da Ammo chegou a um negativo de R$ 6 milhões. Nesse ambiente, e com alavancagem já alta em diferentes negócios, a empresa não conseguiu cumprir os indicadores financeiros que balizavam as cláusulas do contrato de financiamento, a colocando em situação de default.
Por empréstimo, Farallon poderia antecipar vencimento de dívida do grupo
A Farallon, com isso, poderia antecipar o vencimento da dívida, que tem como garantia 100% das ações da Ammo. Portanto, se tornaria controladora da Ammo. Nesse ponto, a Coteminas decidiu reagir, diz ela, pelo risco de perder a empresa, que ainda respondia por 40% das vendas do grupo.
Afirma também que sob “ameaças e pressões” de um pedido de antecipação das dívidas pela Farallon, teve de recorrer à proteção judicial. O pedido deferido pela Justiça dá direito à antecipação dos efeitos da recuperação, logo, cobranças estão congeladas, de modo a preservar as atividades. Fontes próximas ao fundos negam que esse fator de mudança do CEO tenha deteriorado o negócio. Afirmam que a crise na empresa era antiga, relacionada a decisões de gestão passadas, e que a Coteminas era favorável às mudanças no grupo.
Gomes chegou a dizer que buscava vender ativos da família para tentar reduzir a alavancagem de seus negócios, e abriu negociações com credores, pelo menos, de dois anos para cá. Enfrentou greve de funcionários em fábricas no ano passado, falta de capital de giro para comprar insumos e entrou, inclusive, numa negociação com a Shein, a gigante chinesa do comércio eletrônico, algo celebrado, na época, pelo governo federal.
Em julho de 2023, foi concluído contrato de empréstimos de US$ 20 milhões (R$ 100 milhões) entre a Santanense, controlada pela Coteminas, e a TopFashion (empresa da Shein no país), para capital de giro, com vencimento em 2026 e pagamento de juros anuais.
Três meses antes, o grupo assinou memorando com a Shein para um acordo de produção no Rio Grande do Norte. Ficou estabelecido acordo com duas mil confecções parceiras da Coteminas no Estado para produção a ser destinada à Shein. A governadora do Rio Grande do Norte, Fatima Bezerra (PT), ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chegou a anunciar a parceria, em junho, como “a garantia do emprego e renda no semiárido nordestino”. Não há informações sobre como evoluiu o acordo, e o grupo pode ter que renegociar eventuais dívidas com as confecções.
A Shein fechou o empréstimo à Santanense, após reuniões com Gomes e encontro com membros do governo, no momento em que se negociava novas condições de importação pelos sites estrangeiros ao país, que hoje estão isentos de imposto de importação. Procurada, a Shein não se manifestou.
Uma das maiores têxteis brasileiras, a Coteminas é controladora direta da Springs Global e indireta da CSA, todas em recuperação judicial.
Fonte: Valor Econômico