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VINCULAÇÃO DAS ASSEMBLEIAS DE CREDORES

Por Emerson Soares Mendes

Em recente julgado (REsp nº 1.532.943-MT), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o plano de recuperação judicial aprovado em assembleia-geral de credores (AGC), contendo alterações nas condições originais dos créditos sujeitos à recuperação judicial, deve vincular todos os credores, inclusive os ausentes e os dissidentes.

A decisão da AGC, em breve síntese, constitui uma decisão empresarial (vide REsp nº 1.513.260 – SP) acerca, dentre outros aspectos, do tratamento a ser dado aos créditos sujeitos à recuperação judicial e aos meios que serão utilizados para o soerguimento da empresa em crise, com a respectiva alocação dos riscos e ônus a serem suportados pela comunidade de credores e pela empresa em crise, tal como ocorre em uma relação negocial empresarial de cooperação (vide REsp nº 1.302.735-SP que aplica a Teoria dos Jogos na definição dos termos do plano de recuperação judicial).

Desse modo, por ser uma decisão colegiada, a decisão da AGC sujeita-se ao princípio majoritário, ou seja, a decisão vinculará todos os credores e a empresa em crise, mesmo os credores ausentes e os dissidentes (vide REsp nº 1.388.948 – SP), desde que seja lícita e tenha observado o procedimento assemblear de convocação, instalação e deliberação (vide REsp nº 1.205.904-SP).

A decisão da assembleia de credores sujeita-se ao princípio majoritário, ou seja, a decisão vinculará todos os credores

Em virtude da natureza negocial empresarial da decisão da AGC, o Poder Judiciário não pode imiscuir-se no mérito do plano de recuperação, que é de competência exclusiva da AGC (art. 35, inciso I, alíneas “a” e “f”, da Lei nº 11.101/2005 – LRF), mas apenas fazer o controle de legalidade do mesmo, pois o plano, enquanto verdadeiro negócio jurídico, sujeita-se aos requisitos dos atos jurídicos de um modo geral (vide REsp nº 1.314.209 – SP).

Nos termos do art. 49, caput e § 2º, da LRF, os créditos existentes na data do pedido estão sujeitos à recuperação judicial (observadas as exclusões expressamente dispostas na LRF), mas conservam suas condições contratadas originalmente, salvo se for estipulado algo diverso no plano de recuperação judicial, ou seja, referido artigo permite que as condições originalmente contratadas sejam alteradas por meio do plano de recuperação judicial (art. 50, inciso I, da LRF), caso em que o credor atingido pelas alterações terá o direito de votar na AGC, conforme decorre do art. 45, § 3º, da LRF.

Aliás, conforme julgado do STJ, a alteração das condições dos créditos contratadas originalmente constitui a lógica do sistema de recuperação judicial, ademais e, justamente por isso, os interesses dos credores são preservados com a oportunidade de participar da AGC para aceitar, propor alterações ou rejeitar a proposta de plano de recuperação, o que requer o consentimento da maioria dos credores e da empresa em crise (REsp nº 1.388.948 – SP). Por esta razão a LRF exige um “quorum” de instalação e deliberação, como forma de assegurar a representatividade das classes de credores nas deliberações da AGC, não dando azo à desvinculação dos credores ausentes e dissidentes do plano aprovado.

O plano de recuperação judicial, embora implique na novação dos créditos (art. 59, caput, da LRF), não tem o condão de acarretar a automática extinção das garantias, salvo se trouxer previsão expressa acerca da extinção, caso em que é desnecessário que cada credor individualmente considerado, que seja titular de uma garantia, conceda anuência para a extinção da garantia, o que somente ocorrerá se (i) o plano de recuperação não trouxer expressa previsão de extinção das garantias e se (ii) o bem sobre o qual incidir a garantia for alienado (art. 50, § 1º, da LRF).

Quanto à legalidade da alteração das condições dos créditos originalmente contratadas, a própria LRF permite sua alteração e atribui à competência da AGC tal decisão (art. 50, inciso I, da LRF). Ademais, o próprio Código Civil, por exemplo, nos arts. 1.436, inciso I, 1.499, inciso IV, prevê a extinção de garantias reais pela renúncia do credor, o que não implica em renúncia do crédito em si, de modo que não se afigura razoável que a decisão assemblear de extinção das garantias exija a expressa e individual anuência de cada credor titular da garantia real, sob pena de não valer para os credores dissidentes ou ausentes.

Aliás, com o devido respeito às opiniões dissonantes, permitir a incidência diferenciada do plano de recuperação judicial afronta a própria natureza da decisão da AGC e, ainda, o próprio sistema de recuperação judicial como um todo, de modo que foi correta a decisão recente do STJ quanto à abrangência de vinculação do plano de recuperação judicial devidamente aprovado pela assembleia-geral de credores.

Emerson Soares Mendes é advogado em São Paulo, doutorando e mestre em direito comercial pela USP e especialista em direito econômico

Fonte: Valor Econômico

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