Por Fernanda Pires e Victória Mantoan
SÃO PAULO – A Triunfo Participações e Investimentos (TPI) alega que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já sabia que a empresa optaria pelo caminho da recuperação extrajudicial quando se desfez massivamente das ações da companhia, o que caracterizaria informação privilegiada.
A informação consta da defesa da TPI protocolada na noite desta segunda-feira no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), em resposta ao pleito do BNDES para revogar a suspensão das execuções que têm contra a TPI. Há duas ações de execução do banco contra a TPI, que somam R$ 980,5 milhões, sem atualização. O BNDES é ao mesmo tempo credor e acionista da TPI, via o braço de participações BNDESPar.
A TPI protocolou dois planos de recuperação extrajudicial em 22 de julho, um da holding e algumas subsidiárias e outro da controlada Concer, para reestruturar mais de R$ 2,1 bilhões em dívidas. Uma semana depois, o BNDES entrou na Justiça alegando que a empresa mentiu sobre a real fatia acionária da instituição, que, àquela altura, já era menor que 10%, para fugir da obrigatoriedade de o banco ser considerado no quórum necessário à aprovação do pedido de homologação dos planos.
“O sistema BNDES priorizou seus interesses creditícios em detrimento dos seus interesses (e obrigações!) enquanto acionista da TPI”, diz a peça, elaborada pelo escritório Galdino, Coelho, Mendes Advogados.
Nela, a Triunfo reconhece que no dia em que o pedido de recuperação foi ajuizado, a BNDESPar tinha apenas 5,09% do capital social da companhia. “Entretanto, o BNDES só não disse o principal: a participação acionária do BNDESPar foi reduzida de 14,75% para 5,09% justamente no período compreendido entre 13 de abril de 2017 a 14 de julho de 2017, quando o assim chamado Sistema BNDES já sabia que a TPI e as demais Requerentes estavam em negociações com seus credores financeiros para reestruturação de seu passivo por meio de uma recuperação extrajudicial, informação esta ainda restrita à TPI e seus credores”, diz o texto.
Essa narrativa aparece pelo menos mais uma vez na defesa. Nas duas primeiras reuniões ocorridas no dia 3 de abril, diz o texto, os representantes do BNDES “foram informados de que, a menos que o banco concordasse com a imediata suspensão do curso das execuções – o que representaria uma importante sinalização aos demais credores financeiros quanto à viabilidade de uma renegociação -, outras formas de reestruturação protetivas às empresas seriam inevitáveis”.
Como não havia clareza se as execuções das garantias de Concer e Concebra seriam suspensas, o BNDES então foi informado de que a TPI e a Concer continuariam as negociações com os demais credores para conseguir adesão à recuperação extrajudicial, “alternativa preferível a uma recuperação judicial”. Ao serem indagados se o apoio do BNDES seria necessário para atingir o percentual legal, “os consultores financeiros esclareceram que, na verdade, os créditos do BNDES não seriam considerados em nenhum dos cenários, diante da participação acionária detida pelo BNDESPar na TPI”. O escritório Alvarez & Marsal foi contratado pela TPI em março para renegociar as dívidas.
A defesa da TPI rebate a principal argumentação utilizada pelo banco para tentar manter as execuções contra a empresa. Para a TPI, o limite de participação acionária de 10% que condiciona a vedação ao voto não se aplica ao caso do BNDES, que deveria ser visto como uma empresa coligada, uma vez que conta com acordo de acionista e influência sobre a tomada de decisão da companhia.
A argumentação parte de artigo da lei de recuperação de empresas e de falência que prevê a vedação ao voto em alguns casos tendo como referência a participação acionária superior a 10%. A TPI reforça a leitura de que isso não serve para acionistas e não deve se aplicar à BNDESPar.
A aplicação do artigo é considerada controversa por advogados especializados no assunto, em especial em um caso de recuperação extrajudicial.
A TPI defende ainda que a mesma vedação ao voto deve ser mantida no caso da controlada Concer porque as decisões relevantes sobre a empresa são deliberadas previamente no conselho de administração da holding TPI, no qual o braço de investimentos do banco de fomento tem representante.
“Apesar de sua decisão de reduzir participação às vésperas da recuperação extrajudicial, o BNDESPar manteve a quantidade de ações necessárias à manutenção do acordo de acionistas, instrumento que assegura sua influência significativa na TPI”, diz a petição do grupo de infraestrutura.
Além disso, o escritório destaca o que considera um “manifesto conflito de interesses” do banco em relação aos demais credores e perante as empresas que pleiteiam a recuperação extrajudicial.
“Admitir o contrário, isto é, a possibilidade de sócios ou acionistas desfazerem-se de suas participações anteriormente ao ajuizamento da recuperação – pior ainda quando isso ocorre durante período suspeito! – para deliberar o plano de recuperação da sociedade de que participam ou participavam de forma relevante abriria perigosíssima brecha para toda sorte de fraude.”