Por Joice Bacelo
Uma empresa em recuperação judicial não pode ter os seus bens bloqueados por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU). Esse foi o entendimento do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar um pedido de liminar da Alumini Engenharia.
A empreiteira – que foi um dos alvos da Operação Lava-Jato – havia sido afetada por uma decisão do plenário do TCU que tornou indisponíveis, pelo prazo de um ano, bens avaliados em cerca de R$ 100 milhões.
A determinação se deu a partir de uma auditoria do órgão que constatou sobrepreço nas obras de implantação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O bloqueio dos bens, segundo o TCU, era necessário para garantir o ressarcimento integral dos valores aos cofres da Petrobras.
As obras do Comperj tiveram início em 2010 e o contrato da Alumini, que somava quase R$ 1 bilhão, tratava da construção de uma das unidades básicas para o processamento de óleo e gás da refinaria.
Segundo as investigações do Ministério Público, no âmbito da Lava-Jato, o processo de licitação que gerou esse contrato é um dos vários que fizeram parte do esquema de cartelização das empreiteiras e pagamento de propina a executivos da Petrobras.
Para o ministro Edson Fachin, não é que o TCU não possa decretar o bloqueio de bens de empresas e pessoas físicas. Ao contrário, ele entende como possível nos casos em que se justificar a necessidade de proteção efetiva ao patrimônio público.
Em sua decisão, cita inclusive um julgamento do plenário do STF que validou a aplicação de medidas cautelares desse tipo (MS nº 24510, de 2003, que teve a relatoria da então ministra Ellen Gracie).
No caso da Alumini, no entanto, pesou o fato de a empresa estar em processo de recuperação judicial. A empreiteira foi a primeira entre as envolvidas na Lava-Jato a ter o pedido aceito pela Justiça. O processo está em andamento desde outubro de 2015 na 2ª Vara de Recuperação Judicial e Falências de São Paulo.
Fachin entende que, nesses casos, somente o juiz da recuperação judicial tem competência para resolver questões referentes ao patrimônio da companhia – conforme estabelece a lei que regula esses procedimentos (nº 11.101, de 2005). “Os bens da empresa estão, no momento, vinculados ao cumprimento do plano de recuperação judicial”, afirma.
Para o ministro, em vez de determinar diretamente o bloqueio dos bens da empresa, o TCU deve requisitar à Advocacia-Geral da União (AGU) que formule o pedido ao juiz que está tratando do processo de recuperação judicial.
Representante da Alumini no caso, o advogado Eduardo Nobre, do escritório Leite Tosto e Barros, diz que a empresa ingressou com mandado de segurança depois de o TCU ter encaminhado ofício para que indicasse os bens para o bloqueio.
O advogado entende que decisões tomadas fora do processo de recuperação têm potencial para inviabilizar o plano de pagamento que foi acordado com os demais credores da empresa.
“As discussões do Tribunal de Contas devem seguir a tramitação normal, como a de qualquer outro crédito devido pela empresa. Não pode se sobrepor à posição de outros credores pelo único fato de envolver patrimônio público”, diz o advogado. “A empresa vem cumprindo o seu plano e pagando trabalhadores. Não pode um outro credor, por uma decisão apartada do processo, furar a fila.”
A decisão do ministro Fachin é a única que se tem notícia sobre a possibilidade do bloqueio de bens, pelo TCU, relacionado a empresas em processo de recuperação judicial. E, para advogados da área, abre precedente para que o mesmo entendimento seja aplicado em outros casos.
Recentemente, por exemplo, a Base Engenharia e Serviços de Petróleo (novo nome da Schahin) também foi alvo de decisão do TCU. A determinação, nesse caso, é para o bloqueio quase que integral dos pagamentos feitos pela Petrobras nos contratos de afretamento e de serviços do navio-sonda Vitória 10.000, que opera no pré-sal.
O argumento usado pelo Tribunal de Contas foi semelhante ao da Alumini: constatação de sobrepreço na construção do navio. Foi identificado, segundo o órgão, um prejuízo de R$ 525 milhões para a Petrobras. A Base foi alvo da Lava-Jato em 2015 em razão do pagamento de propina em troca, justamente, desses contratos.
Atualmente a renda mensal é de R$ 22 milhões à Base. Trata-se do principal ativo do grupo e é basicamente o que sustenta o plano de recuperação judicial da companhia.
Ao Valor, a diretoria da Base informou, por meio de nota, que a decisão do TCU “será levada para apreciação do Poder Judiciário”. Frisou, no entanto, que a determinação para o bloqueio dos pagamentos ainda não é definitiva. Foi proferida em caráter provisório pelo tribunal e o mérito ainda será analisado por meio de procedimento de tomada de contas.
Especialista na área de recuperação judicial e falências, Juliana Bumachar, do escritório Bumachar Advogados Associados, chama a atenção que a impossibilidade de bloqueio direto de bens, pelo TCU – como decidiu o ministro Fachin -, não tem como objetivo beneficiar a empresa devedora em si. Segundo o entendimento da advogada, a decisão dá segurança aos credores que estão envolvidos no plano de recuperação.
“Porque o credor aceitou o plano com base naqueles determinados ativos da empresa e está contando com o que foi acordado para o seu pagamento”, afirma. “Então não é que o TCU não possa cobrar aqueles valores. Ele só não pode decidir isso sozinho. E justamente porque, dessa forma, poderia colocar todo o plano abaixo”, completa.
O TCU foi procurado pelo Valor e informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não comenta decisões judiciais.