Por Beatriz Olivon
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o credor não é obrigado a aceitar cotas de fundo de investimento como substituto de dinheiro para a penhora, na fase final (execução) do processo. O tema foi analisado por meio de recurso repetitivo, portanto, a tese servirá de orientação para as instâncias inferiores do Judiciário.
No julgamento, os ministros estabeleceram que a cota de fundo de investimento não se iguala à dinheiro na ordem de preferência prevista no Código de Processo Civil (CPC). Para o tribunal, a recusa das cotas de fundo não causaria excessiva onerosidade ao devedor. Tampouco violaria o recolhimento dos depósitos compulsórios e voluntários do Banco Central do Brasil ou afrontaria à impenhorabilidade das reservas obrigatórias.
O recurso repetitivo é composto por três processos do HSBC Bank Brasil Banco Múltiplo. O banco responde por mais de 12 mil processos sobre o tema, como informou o advogado da instituição, Marcos Cavalcante de Oliveira, Sturzenegger e Cavalcante Advogados, no início do julgamento do processo pelo STJ. Na ocasião, o profissional afirmou que a questão é de interesse geral do sistema econômico.
Os recursos têm como pano de fundo uma ação civil pública do Instituto de Defesa do Consumidor (IDC) contra o Banco Bamerindus, sucedido pelo HSBC Bank Brasil Banco Múltiplo. Na ação, o pedido principal trata dos expurgos inflacionários das cadernetas de poupança. Diversas execuções foram propostas após ajuizamento da ação civil pública.
Em um dos processos o valor da garantia é de R$ 21,9 mil, aproximadamente. A partir da ação civil pública, um correntista ajuizou pedido de devolução das diferenças em função dos expurgos. Na execução individual, o banco foi intimado a realizar o pagamento no prazo de 15 dias, sob pena de multa de 10%. A instituição financeira impugnou o pedido e ofereceu à penhora cotas de fundo de investimento. Como o correntista não aceitou, o banco recorreu na Justiça.
No STJ, a instituição alegou que tanto o depósito judicial quanto o investimento em banco – como no caso das cotas de fundos – corresponderiam a dinheiro, e estariam na mesma ordem de preferência do CPC. De acordo com o processo, o HSBC considerou a decisão judicial excessivamente onerosa, pois o obrigou a resgatar aplicações financeiras do seu ativo para realizar o depósito judicial. Conforme o banco, houve “uma substancial perda de rentabilidade”, pois a aplicação financeira renderia mais do que a TR, aplicada aos depósitos judiciais.
A advogada de um dos correntistas, Maria de Fátima Alves Pinheiro, afirma que as cotas de fundos não seguem a determinação do CPC, além de terem valores variáveis, que poderia se desvalorizar até o fim da execução. “O valor não é líquido e certo”, diz. De acordo com Maria de Fátima, apesar da discussão sobre a garantia, o andamento da execução está suspenso (sobrestado) aguardando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os expurgos inflacionários.
O ministro relator Marco Aurélio Bellizze defendeu a aplicação do CPC de 1973 ao caso, por se tratar da lei vigente quando os atos foram praticados. Mas, segundo o relator, como o novo CPC manteve a determinação de que a penhora deve recair, preferencialmente sobre dinheiro, o julgamento do recurso repetitivo também será precedente para os casos que ocorrerem sob a vigência do novo texto.
Para o relator, os riscos de liquidez são inerentes a todos os fundos de investimentos e mesmo que eles possam ser diminuídos, na finalidade de ordem de penhora, as cotas de fundo não têm o grau de liquidez próprio do dinheiro, ou do dinheiro em aplicação financeira. Quanto à perda de rentabilidade, o ministro afirmou que a expectativa de rendimento beneficiaria apenas o banco executado.
Os ministros definiram que a ordem de garantias estabelecida no CPC não tem caráter absoluto, embora seja a regra. Portanto, a lista pode ser flexibilizada, a depender do caso concreto, tendo em vista a potencial satisfação do crédito.
O HSBC pode recorrer da decisão por embargos de declaração e também tentar levar a discussão ao Supremo Tribunal Federal.
Se o STJ permitisse a substituição do dinheiro por cota de fundo de investimento, na prática, o dinheiro ficaria no banco até o fim da execução, diz o advogado Eduardo Vital Chaves, do Rayes e Fagundes Advogados Associados. “A partir do momento em que o banco põe dinheiro no processo, o montante sai do seu caixa”, afirma.
Segundo Chaves, o tema interessa não apenas aos bancos, mas para as empresas que pedem para apresentar cotas de fundos de investimento. Para ele, caso o STJ equiparasse as cotas ao dinheiro, poderia abrir espaço para um mercado que concorreria com os depósitos judiciais. “Se fossem levantados todos os depósitos judiciais, os tribunais não teriam como repor imediatamente todos os valores.”
O HSBC informou que não comenta assuntos que estejam em análise pela Justiça.
Fonte: Valor Econômico