Parecer da KPMG cita divergências em premissas e critérios de cálculo sobre capital de giro e dívida líquida, investimentos e adição líquida, o que levaria a um ajuste de R$ 3,18 bilhões no contrato
Se a operadora Oi não conseguir comprovar com documentos os compromissos assumidos em contrato para a venda de seu ativo móvel para Telefônica Brasil, dona da Vivo, TIM Brasil, e Claro Brasil, poderá ser pedida uma arbitragem para resolver o impasse.
Agora que as três teles apresentaram divergências entre o estabelecido em contrato com a Oi e o que foi verificado de fato pela KPMG, foi determinado um prazo de 30 dias para a Oi documentar o que afirma ter registrado na operação móvel.
O resultado da apuração da KPMG indica para as teles, segundo fonte, que parece que a Oi “jogou um pouco a toalha”, o que significa que, de certa forma, teria desistido de atingir as metas, pois teria investido menos que o comprometido, não cumpriu as metas de adições líquidas — saldo entre a entrada e a saída de clientes da operação —, não alcançou o capital de giro, perdeu mercado e não teria feito os investimentos assumidos.
O parecer da KPMG cita divergências em premissas e critérios de cálculo sobre capital de giro e dívida líquida, investimentos e adição líquida. Tudo isso levaria a um ajuste de R$ 3,18 bilhões no contrato.
A documentação da Oi também é considerada ineficiente e confusa, não sendo possível distinguir o que é investimento de capital do serviço móvel do investimento da rede fixa.
Depois de a Oi apresentar essa documentação, será estabelecido mais um prazo de 30 dias para negociação entre as partes.
Se ainda assim não houver acordo sobre o valor do ativo, será contratado um auditor único, no prazo de cinco dias. Esse auditor deverá fazer as contas para as companhias no prazo de 30 dias. Nesse caso, provavelmente não poderá ser a KPMG, que já foi “comprometida” ao fazer o primeiro levantamento sobre a Oi.
Se mesmo com essa auditoria única as três teles e a Oi não chegarem a um consenso, será necessária uma arbitragem, ainda a ser decidida em que nível. Mas certamente será uma arbitragem privada, uma vez que os órgãos regulatórios e antitruste (Anatel e Cade) não têm nada a ver com essa fase do processo.
O Valor apurou que as empresas não veem nenhum risco de a transação de venda ser cancelada. Os clientes da Oi Móvel já estão com Telefônica, TIM e Claro, já houve integração do negócio em cada tele e isso é considerado “irreversível”. Trata-se de um negócio de venda, seja com auditor ou arbitragem, e vai se resolver, disse uma fonte que acompanha as negociações.
Esse processo de comprovação de compromissos é considerado normal na operação de compra e já constava no contrato. Por esse motivo, as três teles retiveram R$ 1,33 bilhão como garantia. Ocorre, que o valor constatado pela KPMG supera o que foi retido como garantia.
A Oi teria de devolver R$ 1,73 bilhão às operadoras por conta de discordâncias encontradas no contrato.
O negócio foi assinado em janeiro de 2020 e fechado em abril de 2022. Toda transação desse tipo, com tempo bastante amplo entre o acerto do negócio e o fechamento, tem cláusulas para comprovar se o que foi assinado é o que está sendo entregue, diz uma fonte ligada ao processo.
A Telefônica, TIM e Claro também pedem à Oi indenização de R$ 353,2 milhões pelas perdas que constataram até o momento.
A Oi refuta a análise da KPMG e afirma que o parecer “apresenta erros procedimentais e técnicos, havendo equívocos na metodologia, nos critérios, nas premissas e na abordagem”.
Venda dos ativos
Desde seu pedido de recuperação judicial, em junho de 2016, a Oi vendeu seus principais ativos, num total de R$ 30,8 bilhões, para saldar a dívida de R$ 65 bilhões. O último deles foi em agosto — 8 mil torres de telefonia fixa para a Highline Brasil, por R$ 1,67 bilhão.
Em julho de 2021, fundos do BTG Pactual e da GlobeNet levaram o controle da rede de fibras V.tal (57,9%) por R$ 12,9 bilhões.
Em dezembro de 2020 foi a vez da Oi Móvel, por R$ 16,5 bilhões, a maior transação envolvendo ativos da companhia em recuperação judicial, para a aliança formada por Telefônica, TIM e Claro. É o valor final desse negócio que está sendo contestado.
Também em 2020, os data centers da Oi passaram para a Piermonte Holding, por R$ 325 milhões.
Nos últimos resultados trimestrais, a Oi anunciou um prejuízo de R$ 321 milhões e uma dívida líquida de R$ 16,1 milhões.
Reavaliação do preço de venda da Oi Móvel pode impactar recuperação judicial da tele?
A operadora Oi deu indícios nesta segunda-feira, em seu comunicado ao mercado, de que refutará firmemente a análise da KPMG sobre o ajuste pós-fechamento da venda da Oi Móvel para Telefônica Brasil, dona da Vivo, TIM S/A e Claro Participações.
O fechamento da venda do ativo ocorreu em abril, por R$ 16,5 bilhões. Mas hoje, Telefônica, TIM e Claro apresentaram análise da KPMG, segundo a qual compromissos assumidos em contrato não teriam sido cumpridos.
Dessa forma, o ajuste total do contrato reivindicado agora pelas teles é de R$ 3,18 bilhões. Desse total, R$ 1,44 bilhão havia sido retido pelas três operadoras como garantia, no fechamento do negócio, em abril. A diferença de R$ 1,73 bilhão é o que agora pedem à Oi como pagamento por compromissos que não teriam sido cumpridos.
Mas fonte do setor de telecomunicações diz que uma equipe da operadora em recuperação judicial trata especificamente dos compromissos assumidos no contrato de venda do ativo móvel. Afirmou que, ao contrário da análise, a receita do serviço móvel estaria evoluindo, mesmo durante a pandemia, bem como as adições líquidas, de acordo com dados da Anatel. A receita entregue teria ficado dentro das métricas programadas e que é impossível inventar receita.
O que pode ocorrer, disse a fonte, é os clientes da Oi que foram transferidos para as teles gastarem menos, por causa de condições do mercado, mas, mesmo assim, a receita estaria dentro do valor contratado. As métricas para fazer a migração da base de clientes e a migração técnica da rede para as três teles estariam sendo cumpridas.
Para outra fonte próxima às empresas, essa notificação de ajuste de preço revelaria uma “jogada” da Telefônica, TIM e Claro. Isso porque as três teles tinham oferecido R$ 15 bilhões pela Oi Móvel, em 2020. Como apareceu uma concorrente, a Highline, as companhias, que não queriam perder o ativo, se viram “obrigadas” a subir a R$ 16,5 bilhões, em uma oferta vinculante que acabou vitoriosa no leilão judicial.
Mas esse aumento substancial “nunca foi bem engolido pelas três empresas”, que consideravam ser as únicas proponentes, segundo a fonte. Desse modo, esperavam “arranjar qualquer tipo de desculpa”, no momento certo, para reduzir o valor oferecido.
Para fonte que observa o trâmite das documentações, é alto o nível de detalhes que a KPMG pede à Oi, como, por exemplo, a totalidade das notas fiscais (seriam dezenas de milhares) atribuídas a um investimento. A fonte lembra que os apontamentos fiscais são reconhecidos em balanço, e por isso questiona o por quê desse tipo de informação.
Além disso, desde o fechamento do negócio não teria havido qualquer sinalização referente a questionamentos à Oi sobre os dados apresentados às teles. Para uma fonte que acompanha a negociação, é mais fácil os compradores falarem que não entenderam e que não vão pagar.
Mas outra fonte do setor de telecomunicações discorda sobre o cumprimento das obrigações, considerando que a Oi já não estaria estimulada a investir esforços no serviço móvel. Tudo indica que não será um caso fácil para nenhuma das partes.
É cedo dizer se esse processo poderá prejudicar a saída da Oi da recuperação judicial, segundo fonte. Mas o juízo será informado oficialmente após a conclusão das negociações e decidirá se houver qualquer tipo de inadequação.
Procuradas pelo Valor, Oi, Telefônica, TIM, Claro e KPMG não quiseram comentar. As quatro operadoras publicaram comunicado ao mercado sobre o tema.
Fonte: Valor Econômico