A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que autorizou a prisão logo após condenação em segunda instância não está sendo seguida nem pelos próprios ministros. Embora a maioria tenha autorizado a prisão durante o julgamento de um habeas corpus em fevereiro, o entendimento não é vinculante e, portanto, não é obrigatório para as demais instâncias e ministros.
Em decisão monocrática, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, concedeu liminar para suspender a execução de um mandado de prisão expedido contra réu em crimes de homicídio e ocultação de cadáver. No mês passado, Edson Fachin decidiu no mesmo sentido, em uma reclamação à Corte.
Para Celso de Mello, o início do cumprimento da pena do réu antes do trânsito em julgado da condenação ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. “Nenhuma execução de condenação criminal em nosso país, mesmo se tratar-se de simples pena de multa, pode ser implementada sem a existência do indispensável título judicial definitivo, resultante, como sabemos, do necessário trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, afirmou Mello.
Com o recesso do Judiciário, o Supremo só deve definir a partir do segundo semestre se mantém ou não a tese da execução antecipada da pena, que saiu vencedora no Plenário da Corte, por sete votos a quatro. Isso ocorrerá a partir da análise de duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) sobre o tema.
Nesse caso, o resultado da decisão terá efeito vinculante. Até lá, a prisão ou a liberdade de condenados que recorrerem ao Supremo vai depender do ministro que analisar seu pedido de habeas corpus.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Partido Ecológico Nacional (PEN) apresentaram no STF a duas ADCs pedindo que seja validado o artigo do Código de Processo Penal que determina o início do cumprimento da pena de prisão após do trânsito em julgado da sentença condenatória, ou seja, quando acabarem todas as possibilidades de recursos.
Entre os ministros do Supremo tampouco há consenso sobre as estatísticas que envolvem a discussão. Levantamento realizado pelo ministro Luís Roberto Barroso, que foi favorável à prisão após a segunda instância em fevereiro, apenas 1,12% dos recursos extraordinários foram favoráveis ao réu no STF, entre 2009 e abril de 2016. Já segundo o ministro Celso de Mello, entre 2006 e fevereiro de 2016, 25,2% dos recursos extraordinários criminais foram providos pela Corte – citando voto do presidente, Ricardo Lewandowski, que, como ele, foi contrário à execução da pena antes do trânsito em julgado.
Segundo Eliana Calmon, ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os recursos aos tribunais superiores (STJ e STF) não servem para contestar os fatos e provas já analisadas nas instâncias inferiores, mas somente para discutir a aplicação da lei. “Os advogados argumentam que o trânsito em julgado é a garantia do réu. Mas que réu? Só do réu que tem bons advogados e que pode fazer todo esse trâmite – que custa muito dinheiro”, disse Eliana, acrescentando que a mudança vai reduzir a impunidade e os recursos que buscam a prescrição das penas.
Para o advogado, Eugenio Pacceli, a Constituição e o Código Penal só permitem a prisão depois do trânsito em julgado e, se estas regras geram impunidade ou prescrição, a mudança deveria partir do Congresso, não do Judiciário. “As mazelas do dia a dia não permitem que se rasgue a Constituição e o Código Penal”, afirmou.
Essa questão foi discutida pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, em gravações com o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), o senador Romero Jucá (PMDB-RR) e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Nos diálogos entregues à Procuradoria-Geral da República, Machado revela preocupação com a orientação do Supremo.
As gravações mostram que o ex-presidente da Transpetro reclama da postura dos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli no julgamento. Além de Toffoli, Barroso e Gilmar, votaram pela admissibilidade da prisão, os ministros Teori Zavascki, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Edson Fachin. Foram contrários Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e o presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Por Carolina Oms | De Brasília
Fonte : Valor Econômico