Por Leonardo Toledo da Silva e Vinícius Diniz Moreira
O biênio, compreendido pelos anos de 2015 e 2016, certamente será reconhecido pela história como o responsável pela pá de cal sobre o vertiginoso crescimento experimentado no país desde o início dos anos 2000. O cenário de desaceleração da economia, aliado às investigações que colocaram as principais empreiteiras como rés em ações penais, formaram o pano de fundo de um catastrófico cenário de estagnação no mercado público da Infraestrutura.
Se, por um lado, a desaceleração econômica diminuiu a oferta de obras públicas, por outro, quando estas existiam, poucos proponentes reuniam condições de participar, seja por critérios técnicos (atestações), seja por condições financeiras de honrar a proposta (mesmo que de modo formal).
Uma destas condições dizia respeito diretamente ao instituto da recuperação judicial. Isso porque, após a alteração da legislação relativa ao direito falimentar, que inseriu a figura da recuperação judicial no ordenamento jurídico, passou-se a interpretar o inciso II, do artigo 31, da Lei de Licitações, como proibitivo da participação de empresas em recuperação. Entre outros motivos, argumentava-se que o instituto substituiu a antiga concordata, o que comprovaria a ausência de qualificação econômico-financeira para participação em certames licitatórios.
A Súmula 50 do Tribunal de Contas de SP veda a administração pública de impedir a participação de empresas em recuperação de licitações
Muito embora houvesse, desde a alteração legislativa, discussões sobre a aplicação da proibição de licitar para empresas em recuperação judicial (afinal, o instituto possuía características próprias que o distinguia da antiga concordata), a grande verdade é que os órgãos licitantes, sobretudo no Estado de São Paulo, vedavam a participação de empresas nesta situação. Esta premissa, no atual cenário, mostrou-se catastrófica para empresas em situação financeira delicada e que dependiam da contratação pública para movimentar suas finanças. Afinal, por mais que detivessem atestação e condições suficientes para executar o objeto, viam-se alijadas da competição por expressa vedação dos instrumentos convocatórios.
A solução para muitas destas empresas vinha sendo a tentativa, um tanto quanto insegura, de participação nos certames através da obtenção de medidas liminares.
Esta vedação, contudo, parece estar com seus dias contados. O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo publicou, em 15 de dezembro de 2016, revisão de seu repertório de súmulas, adicionando 20 entendimentos que almejam, além de dar uniformidade aos certames no Estado, evitar com que empresas sejam injustamente alijadas da competição, ou por ilegalidades, ou por entendimentos já ultrapassados.
Neste ínterim é que se revela a Súmula nº 50, que veda a administração pública de impedir a participação de empresas que estejam em recuperação judicial em procedimentos licitatórios. O ente administrativo pode, apenas, durante a fase de habilitação, exigir o plano de recuperação já homologado pelo juízo competente e em pleno vigor.
O entendimento sumulado cumpre, portanto, dupla função: adapta o repertório sumular aos mais recentes entendimentos jurisprudenciais do país, incluindo precedente do Superior Tribunal de Justiça, e auxilia na retomada das atividades empresariais, ao passo que possibilita que a empresa em recuperação judicial participe da licitação, dando concreção ao sentido normativo almejado pela edição da lei que criou a recuperação judicial.
Este instituto, como brevemente exposto, não se presta a pura e simplesmente, substituir a antiga concordata, a qual limitava-se à remissão de dívidas e dilação de prazos para pagamento dos credores. O instituto se presta, isso sim, a traçar novas diretrizes, viabilizando a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora do emprego dos trabalhadores e do interesse dos credores, nos termos do artigo 47 da Lei Falimentar.
Dessa forma, em que pese a inclusão de 20 súmulas novas em seu repertório, certamente aquela que veda proibições de participação de empresas em recuperação judicial assume especial importância no cenário atual de crise. Embora já houvesse uma tendência jurisprudencial, o esforço do Tribunal de Contas do Estado em sumular a questão demonstra-se como salutar tentativa de uniformizar os certames do Estado de São Paulo, destravando o setor e permitindo, além de maiores chances de recuperação à empresa, uma aceleração na oferta de obras públicas, tão escassas em épocas de crise como a que passamos.