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Justiça invalida voto de “credor amigo” em recuperação judicial

Decisão não é comum; geralmente votos contra – e não a favor – à devedora são considerados abusivos

Juízes de recuperação judicial volta e meia desconsideram votos de credores com poder decisivo, que, sozinhos, podem provocar a falência da empresa devedora. Entende-se, nessas situações, que há um abuso de direito. O voto é anulado e prevalece a decisão dos demais credores pela aprovação do plano de pagamento. O que se vê agora, em São Paulo, no entanto, é o inverso: o voto de um “credor amigo” foi anulado.

Essa é uma das poucas decisões que se tem notícias nesse sentido em todo o país. O “credor amigo”, nesse caso, era tratado no processo como o principal fornecedor da empresa em recuperação judicial e havia votado a favor da proposta de pagamento por ela apresentada.

Mudança de plano

Tratava-se de um plano modificativo. Alegando ter sido prejudicada pelos efeitos da pandemia e por uma inundação em sua sede, a devedora apresentou aos credores uma proposta que piorava as condições de pagamento pactuadas anteriormente.

As parcelas passariam de mensais para anuais, com possibilidade de desconto de 25%, além de redução em taxa de juros e na correção dos valores.

A maioria entendeu que a proposta estava mais para perdão do que pagamento da dívida e não aceitou. Mas três credores concordaram. Entre eles, o principal fornecedor – detentor do maior volume de créditos do processo e com poder de decisão.

Decisão

A juíza Renata Xavier da Silva, da 1ª Vara de Tietê, interior de São Paulo, onde tramita o processo, afirma que a empresa em recuperação e o credor possuem dependência econômica mútua. O credor é praticamente o único fornecedor da devedora e a devedora é praticamente a única cliente do credor – sendo responsável por 93% do seu faturamento.

“Desta feita, os interesses do credor extrapolam os interesses de um credor comum, uma vez que está alinhado à recuperanda”, ela diz na decisão.

A magistrada considerou o voto abusivo e declarou a nulidade com base no artigo 187 do Código Civil e no artigo 39 da Lei de Recuperações Judiciais (nº 11.101, de 2005). “Por extrapolar a boa-fé, os bons costumes ou a finalidade social e econômica do voto, com o intuito de obter vantagem ilícita para si ou outrem”, frisou.

Consequências

Com a anulação do voto do credor, o plano modificativo foi rejeitado. A juíza deu prazo de 30 dias para que os demais credores – e não a devedora – apresentem um novo plano de recuperação.

A magistrada também instituiu a figura do “cão de guarda”. Tratam-se de profissionais especializados que fiscalizam os atos de administradores e gestores da empresa em recuperação. O papel será desempenhado, nesse processo, pela OnBehalf Auditores e Consultores (processo nº 1000247-90.2018.8.26.0629).

Fonte: Valor Econômico

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