Decisão judicial aponta inadimplência de R$ 1,6 milhão e relatos de “indícios de fraudes” por sócios
Uma decisão da Justiça de São Paulo decretou a falência da Livraria Cultura, após descumprimento de termos no plano da recuperação judicial da rede. A decisão cita, segundo administradores judiciais da companhia, a inadimplência de R$ 1,6 milhão e relatos de “indícios de fraudes” em movimentações financeiras realizadas pelos sócios. Cabe recurso da rede. A empresa foi fundada em 1947 e é controlada pela família Herz.
A varejista pediu recuperação judicial em outubro de 2018, quando registrava R$ 285 milhões em dívidas totais e 15 lojas no país — hoje são apenas duas unidades. A rede acumulava desempenhos ruins nos últimos anos, mesmo após a aprovação do plano final de recuperação, mostram dados públicos de resultados.
A decisão desta quinta-feira (9) foi proferida pelo juiz Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho, da 2a Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, e nela, Monteiro afirma que o comportamento da empresa no processo de reestruturação “beira o descaso”.
“É caso de convolação da recuperação judicial em falência, pois as recuperandas descumpriram o aditivo ao plano de recuperação judicial, não prestaram informações de maneira completa, não se verificando, pois, perspectiva (e em verdade tampouco diligência por parte dos interessados) para a superação da crise evidenciada”, disse o magistrado.
A Justiça considerou, além dos relatos de “indícios de fraudes” pelos sócios, o não pagamento dos créditos trabalhistas que deveriam ter sido integralmente quitados até junho de 2021. Também cita falta de pagamento dos créditos da classe “financeiro estratégico II” do plano. Por fim, a administradora judicial informou que, desde setembro de 2020, não recebe as parcelas dos seus honorários.
Ainda é informado também que faltavam documentos para elaboração do relatório mensal de atividades, referente ao período de abril a agosto de 2022. O Valor consultou a base de dados sobre a recuperação e os últimos relatórios são de 2021.
Os relatos de fraude estão registrados no processo de outubro de 2022. Nele, a administradora judicial Alvarez & Marsal informa ao juízo da recuperação que foi intimada para prestar esclarecimentos em inquérito policial instaurado para apuração de supostos crimes contra a ordem tributária praticados pelos sócios da rede.
Em 2019, o Banco Original, credor da varejista, entrou com ação na Justiça contra membros da família Herz na tentativa de penhorar bens livres da família, e a instituição relatava que os Herz estavam blindando os ativos dos credores, ao transferir alguns imóveis a parentes, dizia o processo da época. Advogados da família negavam a informação.
Por meio da decisão que decretou a falência, o juiz já oficiou o Banco Central e o sistema Sisbajud para a determinação do bloqueio de ativos financeiros e contas em nome da falida. Determinou ao administrador apresentar, no prazo de 10 dias, a relação nominal de credores. E, aos credores, estabeleceu, conforme a Lei de Recuperação e Falências, o prazo de 15 dias — a contar a partir da publicação do edital de falência — para a apresentação de novas divergências ao administrador judicial.
Procurados pelo Valor, advogados que representam a Cultura preferiram não se manifestar. A família Herz não foi localizada. Segundo fontes, a rede ainda analisa a decisão, mas pretende recorrer porque há “outras soluções mais apropriadas, buscando sua recuperação, que não a falência”.
Nos últimos anos, a Cultura enfrentou várias dificuldades para ter o seu plano de recuperação aprovado, quase teve a falência decretada em 2021, e tinha prejuízos mensais. A rede dizia que era efeito da pandemia. Em entrevista no ano passado, Sergio Herz, CEO da rede, afirmava que a rede apostaria em seu teatro e em eventos e citava “várias novidades” para o ano.
Na prática, os números mostram que a empresa somava, em 2021 (último dado disponível), vendas de pouco mais de R$ 2,5 milhões ao mês, em média, e prejuízo acumulado anual de cerca de R$ 35 milhões. A margem líquida era negativa em mais de 160%.
A Justiça aceitou, em outubro de 2018, o pedido de recuperação judicial com uma dívida total de R$ 285 milhões. Meses depois, em abril de 2019, o plano inicial foi aprovado, mas outras versões acabaram sendo elaboradas, após divergências com credores e pedidos da rede — um aditivo no plano final foi aprovado em 2021, após a empresa solicitar mudanças por conta da crise da pandemia.
Naquele momento, a empresa acabou escapando de uma decretação de falência. Isso porque alguns credores de pequenas editoras foram contra o aditivo. Para barrar a decretação da falência, os controladores alegaram que houve um “erro” na hora da votação. Por meio de liminar, o grupo conseguiu impedir a falência, e o aditivo final foi aprovado.
O plano aplicava um deságio que chegava a 80%. Após a aprovação, nos anos seguintes, credores já diziam que a rede vinha descumprindo prazos de pagamentos acertados no plano — o que já poderia ter levado à decretação da falência.
Fonte: Valor Econômico