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Safra entra com petição contra plano da Americanas; banco fala em cinco tentativas de fraude no acordo

Instituição pede nova proposta de recuperação judicial da companhia, alegando inconstitucionalidade e ilegalidade de cláusulas no texto atual

O Banco Safra protocolou na tarde desta segunda-feira uma petição de 40 páginas no processo de recuperação judicial da Americanas solicitando um novo plano de recuperação, alegando inconstitucionalidade e ilegalidade de uma série de cláusulas no texto atual.

O banco também solicita na petição a exclusão dessas cláusulas e elenca cinco ilegalidades como “tentativas de fraude” da Americanas ao processo.

O Safra diz que há vícios no plano e prevalência de “vontades individuais de um grupo particular em detrimento do interesse coletivo”, e também que existe uma tentativa de aprovar o plano em assembleia geral de credores no “apagar das luzes” de 2023, um dia antes do recesso forense.

É a primeira reação judicial mais forte do Safra ao plano da Americanas, após longas negociações da varejista com outros bancos, que acabaram avançando em novembro. O Safra não aderiu ao acordo fechado dias atrás entre o trio de acionistas da varejista e Bradesco, BTG Pactual, Itaú Unibanco e Santander Brasil. O mercado já aguardava alguma movimentação do banco, considerando a posição fortemente contrária ao plano nos bastidores, dizem fontes.

Os quatro bancos signatários respondem por mais de 35% da dívida da rede. Sozinho, o Safra não consegue impedir a aprovação do plano, mas isso não quer dizer que não possa acionar a Justiça — o banco tem R$ 2,5 bilhões a receber de uma dívida total de R$ 42,5 bilhões. O plano de recuperação foi apresentado em 27 de novembro.

No pedido enviado nesta segunda-feira à 4ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro, advogados do banco afirmam que a varejista empreende “de forma açodada, ao encerrar das luzes de 2023, uma verdadeira corrida para a aprovação à fórceps do PRJ [plano de recuperação judicial] dentro do presente exercício fiscal em busca de benefícios tributários exclusivos para as recuperandas e as instituições financeiras coniventes com a fraude”.

Afirma ainda que há “conveniente” designação de assembleia geral de credores para o último dia antes do recesso forense, em 19/12/23 (“no apagar das luzes”, diz a petição). Isso ocorreria “visando a imposição de um PRJ que encobre ilícitos civis, contábeis e criminais por meio de verdadeiro contrato de adesão que viola normas cogentes e de ordem pública da Lei de Recuperação e Falências”.

Além de um novo plano de recuperação que exclua as supostas ilegalidades citadas, os advogados da instituição solicitam uma nova lista atualizada de credores relativa a data de 19 de janeiro, quando a companhia pediu recuperação judicial. O Safra entende que o plano reconhece a data base da apuração dos créditos o dia 19, sendo que a lista de credores do administrador judicial leva em conta outra data, de 12 de janeiro, dizem os advogados.

Com base nisso, o Safra pede ao juiz do caso a apresentação de lista atualizada de credores relativa ao dia 19, para se conseguir definir, a partir daí, o quórum de instalação e votação do plano.

As “tentativas de fraude” no processo

Sobre as ilegalidades mencionadas na petição, o banco credor cita cláusulas do plano que tratam do compromisso dos credores de não litigar contra a empresa, algo que representa “coação e abuso de direito ao macular a manifestação de vontade dos credores na escolha da opção de pagamento”, dizem os advogados do Safra.

“Acesso ao judiciário e direito de ação são inegociáveis”, afirma o banco na petição.

Na visão do Safra, não é possível abrir mão desse direito de litigar considerando a falta de divulgação de informações por parte do comitê independente do caso, que ainda realiza as investigações sobre a fraude na empresa, e que não foram finalizadas ainda.

Pelo plano, o credor que renunciar ao direito de litigar recebe 20% do crédito em “cash” dentro de 150 dias, e aquele que preferir manter o direito de entrar com alguma ação recebe até 2043.

Como segundo aspecto ilegal, menciona o risco de que o leilão reverso da dívida e o aumento de capital na empresa impossibilitariam o retorno das condições ao estágio pré-plano, em caso de falência. “Alguns credores já serão acionistas da Americanas e terão subscrito debêntures da Americanas”, diz na petição.

Tratamento a credores

O terceiro ponto defendido pelo Safra cita sete cláusulas cujo teor configura tratamento diferenciado a credores.

A instituição relata que os bancos, de forma a receberem os mesmos valores que os demais credores na classe de quirografários, (como as “assets”), são obrigados a emitir novas fianças à varejista. Se não concederem, receberão menos que os credores da mesma classe, o que viola o princípio da igualdade.

Como quarto aspecto ilegal, o Safra levanta a não preservação da individualização dos votos dos debenturistas da varejista.

Isso é possível aos investidores que desejarem seguir esse caminho. O Safra não é debenturista da Americanas, mas afirma que esse procedimento frente aos “bondholders” (detentores de títulos de dívida no exterior) não foi concluído ainda.

Como último aspecto, a instituição relata a existência de vícios no plano, como de consentimento. Para justificar essa posição, o Safra cita texto do plano que informa que, os credores apoiadores são obrigados a fornecer orientação a qualquer credor ou agente a votar com seus créditos a favor do plano, sem ressalvas.

Afirma também que a varejista, além de cuidar da aprovação do plano por valor do crédito, diz que o plano foi desenhado “para garantir que os credores de até R$ 12 mil (valores módicos e volumosos em número frente o passivo total), sejam pagos integralmente em curto espaço de tempo. Dessa forma, a Americanas está providenciando o necessário para a aprovação, por valor e cabeça, em 1ª convocação”.

“O PSA [plano de recuperação] firmado entre a companhia e algumas coniventes instituições financeiras credoras representa um acordo declarado, antecipado e obrigatório do comportamento e sentido de voto dos credores antes, durante e após a AGC [assembleia de credores]”, afirma o banco.

Outro lado

Procurada, a Americanas diz em nota que lamenta que o Safra esteja se posicionando contra a sua recuperação e os esforços que vêm sendo realizados pela companhia, pelos acionistas de referência e credores para a recuperação da empresa e preservação dos seus “milhares de empregos” e de sua “enorme cadeia de fornecedores”.

A varejista lembra que foi “justamente” o banco que impediu o pagamento imediato de 100% dos credores das classes I e IV, que contemplam as dívidas trabalhistas e de pequenas e microempresas.

“Apesar de ter participado, com os demais bancos, de todas as negociações que levaram à construção do consenso em torno do plano de recuperação, o Safra mostra que sua intenção, desde o início, não era de negociar, mas apenas satisfazer os seus interesses particulares, sem quaisquer concessões, como é natural num processo de recuperação”.

De acordo com a companhia, o plano reúne as melhores condições para que se preserve o negócio, e os seus maiores credores firmaram um acordo “apoiando o plano e reconhecendo a legalidade de todas as suas disposições”.

Ainda diz que a investigação na empresa pelas autoridades competentes e pelo comitê independente continua e ressalta que o plano prevê a possibilidade de responsabilização de qualquer administrador que venha a ser apontado como autor da fraude nas citadas investigações.

“A companhia confia na aprovação do seu plano pela assembleia geral de credores, ocasião em que os credores poderão expressar seu voto livremente”.

Procurada, a assessoria do trio de acionistas de referência da empresa informa que os sócios não se manifestarão.

Fonte: Valor Econômico


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