Uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pode dificultar os processos de recuperação judicial de empresas. O magistrado aceitou reclamação contra acórdão da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR) que considerou inconstitucional a exigência de comprovação de regularidade fiscal para a homologação de plano. Para ele, uma declaração nesse sentido só poderia ser feita pelo órgão especial da Corte.
É comum turmas de tribunais livrarem empresas da certidão fiscal. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também dispensa a apresentação. Porém, o posicionamento sempre foi questionado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que espera a palavra final do Supremo.
Para o órgão, a exigência de certidão fiscal é relevante por ser uma garantia de que receberá os tributos devidos. Os débitos de empresas em recuperação judicial inscritas na dívida ativa da União chegam a aproximadamente R$ 22,4 bilhões, segundo a PGFN.
A procuradoria reforçou a exigência de certidão após a criação de um programa de parcelamento de débitos específico para as empresas em recuperação judicial. A falta desse programa era o principal argumento das empresas para a dispensa do documento, previsto no artigo 57 da Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei n 11.101, de 2005).
O parcelamento de débitos de tributos federais para as empresas em recuperação judicial foi criado quase dez anos depois da lei. Ele permite que as dívidas sejam pagas em até 84 vezes, com correção das parcelas.
Mesmo com o programa, a 17ª Câmara Cível do TJ-PR considerou inconstitucional a exigência e manteve a decisão de primeiro grau. Para os desembargadores a medida viola o devido processo legal e o direito ao livre exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas. Consideram ainda que seria um meio coercitivo de exigir o pagamento de tributos.
Em recurso (Rcl 32147), a União questionou o entendimento. Argumentou que a declaração de inconstitucionalidade não poderia ser feita pela 17ª Câmara, apenas pelo órgão especial. Além disso, destacou que há um processo sobre o assunto em tramitação no Supremo, com pedido de liminar. Uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC) apresentada pelo Distrito Federal, em 2016, que defende a apresentação de certidão negativa de débitos (CND).
Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes considerou que a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estatal só pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta da totalidade dos membros do tribunal ou, onde houver, dos integrantes do respectivo órgão especial, sob pena de nulidade da decisão.
Assim como o TJ-PR, há outros tribunais que ainda aceitam pedidos de dispensa da certidão, segundo o coordenador-geral de representação judicial da Fazenda Nacional, Filipe Aguiar de Barros. “Eles sabem que se exigirem a certidão, 90% das recuperações judiciais não poderiam avançar”, afirmou.
De acordo com o coordenador-geral, a lei exige a regularidade fiscal porque a recuperação judicial “é um favor concedido pela União para a renegociação forçada da empresa com seus credores privados”. Para ele, ao desobrigar a apresentação de certidão, na prática, o Judiciário concede uma moratória.
Para o especialista em recuperação judicial, Julio Mandel, sócio do escritório Mandel Advocacia, porém, a certidão é uma forma oblíqua de cobrança de impostos. “Se o Fisco está fora da recuperação judicial não pode influenciá-la”, diz.
Com a crise e o parcelamento previsto para as empresas em recuperação judicial, segundo Mandel, a exigência de certidão fiscal seria um contrassenso. “Vai levar as empresas à falência, sendo que elas estão se reestruturando e pagando os impostos correntes”, afirma ele, acrescentando que existem formas de cobrar os impostos na execução fiscal. “É que uma chantagem e vai contra o espírito de lei de recuperação judicial.”
No primeiro semestre deste ano, o volume total de recuperações judiciais requeridas no Brasil subiu 9,9% na comparação com o mesmo período de 2017, segundo dados da Serasa Experian. Foram apresentados 753 pedidos.
Fonte: Valor Econômico