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BANCOS ESTRANGEIROS VENCEM DISPUTA E FICAM FORA DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Por Joice Bacelo e Laura Ignacio | De São Paulo

Os bancos conseguiram reverter o resultado de uma importante disputa relativa a garantias de natureza fiduciária – casos em que os bens do devedor ficam bloqueados até a quitação da dívida. Desembargadores da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reformaram decisão de primeira instância, inédita, que limitava o uso desse instrumento por instituições estrangeiras.

Para os desembargadores, os bancos de fora – mesmo sem autorização para operar no Brasil – têm o direito às garantias e, assim como os nacionais, não devem se submeter aos planos das empresas em processo de recuperação judicial.

O entendimento se deu em uma discussão envolvendo a Zamin Amapá Mineração, em recuperação judicial, e um sindicato de bancos estrangeiros que reúne quatro instituições (Intesa San Paolo, Canara Bank, State Bank of India Bank e Syndicate Bank).

Com a decisão, os bancos conseguiram validar garantias da ordem de US$ 150 milhões que haviam sido tomadas da siderúrgica e, assim, retirá-las do processo de recuperação da companhia.

O posicionamento dos desembargadores é o primeiro nesse sentido do qual se tem notícias. E, segundo especialistas, pode influenciar na decisão dos bancos estrangeiros de continuar emprestando dinheiro para empresas em recuperação judicial – com as mesmas taxas de juros que vêm sendo praticadas.

Fora dos processos de recuperação, as instituições recebem integralmente os seus créditos. Enquanto que dentro as condições de pagamento podem ser alteradas por deságios, prazos de carência e parcelamentos.

“Estar sujeito à recuperação judicial aumentaria o risco [de o banco receber o que lhe é devido] e isso, sem dúvida, faria com que as taxas aumentassem”, diz o advogado André Frossard, do escritório Siqueira Castro.

A Lei de Recuperação Judicial e Falências (nº 11.101, de 2005) prevê a exclusão dos credores de garantias fiduciárias dos processos. Havia discussão, nesse caso da Zamin, no entanto, porque o juiz da primeira instância interpretou a questão conforme a Lei nº 4.595, de 1964, que regula o sistema financeiro nacional. E, por essa legislação, as garantias seriam exclusivas às instituições financeiras (nacionais e estrangeiras autorizadas a funcionar no país).

No entendimento dos desembargadores do TJ-SP, porém, a matéria deve ser analisada com base no atual Código Civil, de 2002. O relator, desembargador Hamid Bdine, destaca em seu voto que haveria restrição aos bancos estrangeiros somente se as garantias tratassem de bens que podem ser substituídos por outros da mesma espécie (chamados de fungíveis).

Na hipótese de a alienação fiduciária tratar de bens que não podem ser substituídos (infungíveis), afirma, a garantia é válida para qualquer operador – independentemente de se tratar de instituição financeira ou ter autorização para funcionar no país.

No caso da Zamin, o próprio minério produzido pela siderúrgica havia sido dado em garantia aos bancos e, por estar especificado no contrato firmado entre as partes, foi considerado como infungível – e por isso válido – pelos desembargadores da 1ª Câmara de Direito Empresarial do TJ-SP. “Foi objeto de individualização, o que basta para a caracterização de sua infungibilidade”, enfatiza no texto o relator.

Ele cita ainda precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tratando dessa diferenciação. As partes, segundo consta na decisão, podem individualizar os bens “quer pela exteriorização de marcas, sinais ou número de série, quer por alguma outra forma vislumbrada pelo credor”.

Representante das instituições financeiras no processo, o advogado Luiz Fernando Valente de Paiva, do Pinheiro Neto Advogados, diz que, quando a decisão de primeira instância foi proferida, muitos bancos estrangeiros entraram em contato “com medo pelas garantias que já haviam tomado”. “Agora, eles têm a tranquilidade de que, se a alienação fiduciária foi regida pelo Código Civil de 2002, a garantia é válida e boa”, afirma.

Para o advogado André Frossard, do escritório Siqueira Castro, a decisão do TJ-SP está mais alinhada com o mercado. Ele entende que apesar de, no caso específico, ter sido uma conquista dos bancos, o entendimento poderia ser estendido – trazendo mais segurança – para operações que envolvam alienação fiduciária e não necessariamente são capitaneadas pelas instituições financeiras.

“O Código Civil permite que qualquer agente, seja financeira ou não, possa fazer esse tipo de operação. Inclusive, por exemplo, fornecedores”, diz Frossard.

Já para o representante da Zamin no caso, advogado Luiz Donelli, do escritório Mazzucco, Donelli e Mello Sociedade de Advogados, a matéria ainda pode render discussões. Especialmente no que trata sobre a definição dos bens dados em garantia – se podem ou não ser substituídos.

“Isso gera uma certa insegurança, uma necessidade de avaliação mais cuidadosa sobre os ativos cedidos fiduciariamente. As partes têm que especificar em contrato claramente a natureza e a origem do bem para tentar ‘infungibilizar’ um bem fungível. Caso contrário podem ter problemas.”

Sobre o caso específico, ele afirma que a recuperação judicial da empresa não será impactada com a decisão. O plano de reestruturação, segundo ele, previu como extraconcursais os créditos dados em garantia fiduciária às instituições estrangeiras.

“A Zamin já tinha entrado em uma composição com os credores para que as garantias fossem restituídas”, afirma o advogado, acrescentando que a companhia não deve recorrer da decisão do TJ-SP.

Fonte: Valor Econômico

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