Por Joice Bacelo, Laura Ignacio e Fabio Graner | De São Paulo e Brasília
O projeto encaminhado pelo governo ao Congresso Federal para reformar a Lei de Falências vem sendo duramente criticado por advogados que atuam na área. Existe um entendimento de que se a proposta for levada adiante, da maneira como o texto está hoje, haverá mais chances de as empresas quebrarem do que se recuperarem e permanecerem no mercado.
Um grupo de profissionais – que inclui, além de advogados, acadêmicos e administradores judiciais – iniciou um movimento de contra-ataque ao governo. A ideia é elaborar um parecer técnico para tentar barrar a aprovação de pontos considerados sensíveis. Entre eles, a possibilidade de o Fisco pedir a falência de empresas que devem tributos.
“Quando uma empresa enfrenta dificuldades financeiras, a primeira coisa que deixa de pagar são os impostos. Até porque, se deixar de pagar os fornecedores e os empregados, ela para. Então, se essa regra fosse aplicada hoje, haveria pedido de falência de praticamente todas que estão em processo de recuperação judicial”, diz um advogado.
O Fisco, atualmente, não participa do processo de recuperação das empresas e, pela lei que está em vigor (nº 11.101, de 2005), também não pode pedir falência. O que pode ser feito para obter os valores que não foram pagos é o ajuizamento de ações de execução e consequente penhora de bens do devedor.
O projeto, porém, altera esse ponto. De acordo com o assessor especial do ministro da Fazenda, Waldery Rodrigues Junior, as Fazendas públicas somente poderão pedir a falência de empresas em recuperação judicial nos casos em que houver inadimplência de parcelamentos de débitos tributários feitos no contexto da recuperação.
Além disso, acrescenta, o texto remetido ao Congresso passou a tarefa à Advocacia-Geral da União (AGU) e seus equivalentes em Estados e municípios, ou para quem esses órgãos delegarem. Com isso, explica o assessor, o poder do Fisco fica mais limitado nesse processo.
Juliana Bumachar, sócia do Bumachar Advogados Associados, entende, porém, que seria mais adequado e interessante para os dois lados – devedor e Fazenda – criar um parcelamento que caiba no orçamento das empresas ao invés de permitir a interferência do Fisco. “Porque permitir o pedido de falência seria até um contrassenso. Imagine a companhia ter o plano aprovado, pagar os seus credores em dia e mesmo assim ter a falência decretada.”
Existe desde 2014 um parcelamento de débitos fiscais federais direcionado às empresas em recuperação. O programa, no entanto, é considerado ruim pelo mercado e tem baixíssima adesão. Isso porque permite o pagamento em até 84 vezes, prazo muito menor, por exemplo, do que qualquer Refis, que normalmente disponibiliza até 180 meses.
O advogado Ivo Waisberg, sócio da banca TWK e que atua para grandes empresas em recuperações, entende que o projeto “diminui muito” as chances de sobrevivência das empresas. Não só pelos benefícios concedidos ao Fisco, quem ele considera como o “grande privilegiado”, mas também por diminuir os poderes da devedora dentro do processo.
Hoje, por exemplo, somente a devedora pode apresentar o plano de recuperação e, para haver alterações, ela tem de concordar. Com a aprovação do texto do governo, no entanto, afirma o advogado, os credores teriam permissão para apresentar e aprovar o plano, mesmo contra a vontade da devedora, se as partes não chegarem em um acordo em um prazo de 120 dias. E, nesse caso, os devedores seriam afastados da administração da empresa.
“Internamente, no mercado de recuperação, esse projeto é conhecido como monstrengo. Não é uma reforma, é uma antirreforma”, critica Waisberg. Esse projeto começou a ser tratado em dezembro de 2016, quando a Fazenda publicou no Diário Oficial a criação de um grupo de trabalho, formado por juristas de renome na área e também técnicos do Ministério.
O advogado Francisco Satiro, professor da Universidade de São Paulo (USP), foi membro desse grupo e um dos autores da primeira proposta de reforma da lei apresentada pela equipe. Agora, com o texto final, ele diz que ficou “um pouco frustrado”. “O projeto tem coisas boas, outras que precisam ser melhoradas, mas há coisas insustentáveis”, diz.
Satiro elogia a equipe de trabalho do Ministério da Fazenda e pondera que houve muita pressão da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), da Receita Federal e dos bancos sobre a versão final do PL. “Mas eu não posso dizer que não sabia que esse risco existia. Nós apresentamos uma série de propostas para um governo que tem uma agenda”, afirma. “Sabíamos que em algum momento haveria o risco de essa agenda preponderar. O que eu não imaginei é que fosse ser tanto.”
“Tem uma digital enorme da Fazenda no projeto de lei”, afirma o advogado Paulo Penalva, representante da Oi no processo de recuperação judicial. Para ele, nitidamente, esse é um projeto de interesse da Fazenda. “Não é razoável permitir que um sujeito [Fisco] que não está no processo de recuperação possa pedir a quebra de uma empresa”, diz.
Penalva também critica pontos que foram incluídos no projeto de lei em favor das empresas, mas que já foram resolvidos pelo Judiciário. Para o advogado, essa inclusão poderá causar o retrocesso de vários processos judiciais. Segundo ele, demorou anos para essas brechas na lei chegarem ao Superior Tribunal de Justiça, e isso tem sido julgado a favor da recuperação das companhias.
O mercado espera que, no Congresso Nacional, sejam incluídas no projeto de lei outras mudanças urgentemente necessárias. “Condicionar a recuperação judicial à concessão de pagamento de tributos [Certidão Negativa de Débitos] é uma forma indireta de cobrança do Fisco”, diz Penalva.
O especialista diz ainda que é preciso haver um parcelamento de débitos tributários que seja razoável. “A lei em vigor atualmente exige que a empresa renuncie a todo tipo de ação contra a Fazenda”, afirma. O advogado ainda reclama que se é acordado com os credores o abatimento de 50% da dívida, por exemplo, o valor do desconto é tributado. “Deveria ser isento”, completa.
O advogado Luiz Fernando Valente de Paiva, do Pinheiro Neto Advogados, que participou da elaboração da atual lei e da comissão de juristas, também critica o fato de o projeto ter dado poder para o Fisco.
Mas os advogados comemoram mudanças indicadas por especialistas que foram mantidas. Paiva destaca que, segundo o texto, o crédito por restituição em dinheiro no processo de falência – Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC), por exemplo – terá que ser pago após o financiamento dado à empresa em recuperação. “A única coisa que estará na frente é o crédito por alienação fiduciária”, diz. “Esse é um grande avanço no sentido de estimular a concessão de crédito à empresa em recuperação”, afirma.