Concessionária ABV questiona termos propostos pela Anac; principal divergência está na transferência do saldo restante do financiamento do projeto
Imbróglio que já parecia praticamente solucionado, a relicitação do Aeroporto de Viracopos (SP) ainda causa divergências entre a atual concessionária e o governo federal.
O Valor apurou que a Aeroportos Brasil Viracopos (ABV) está insatisfeita com as cláusulas do termo aditivo propostas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), especialmente num ponto que pode criar insatisfação no BNDES, financiador do aeroporto e um dos principais credores no plano de recuperação judicial da ABV.
O problema é que essa queda de braço ocorre às vésperas do fim da validade do decreto 10.427/2020, editado em julho, que qualificou o ativo para fins de relicitação. Inicialmente, a Anac entendia que o decreto teria vencido ontem – ou seja, a ABV já deveria ter assinado o aditivo para que a qualificação do aeroporto não fosse anulada. Porém, a concessionária apresentou um ofício defendendo um prazo diferente para a assinatura, até a próxima segunda-feira, o que foi acatado pela agência.
A grande discordância, porém, não está nos prazos para assinatura. O principal ponto questionado pela ABV é a indefinição sobre a transferência, para o novo concessionário, do saldo do financiamento (“project finance”) do aeroporto que eventualmente reste após a indenização que ainda será paga à concessionária.
A batida de martelo sobre essa transferência dependeria, segundo o texto do próprio decreto, de análises dos ministérios de Economia e de Infraestrutura. No entanto, a situação não foi resolvida ainda, e a concessionária não quer assinar o termo aditivo sem que isso esteja equacionado.
Segundo entendimento da ABV, a transferência dessa dívida a vencer era uma condição fundamental do acordo firmado com BNDES e bancos para a aprovação do plano de recuperação judicial. Em carta enviada nesta semana à Anac, a concessionária cita uma manifestação antiga do BNDES, na qual o banco diz que a relicitação com a transferência da dívida “se apresenta como a única solução capaz de conferir a segurança jurídica adequada a todos os envolvidos e satisfatória recuperabilidade para o crédito dos financiadores”.
O saldo de financiamento a ser pago até o fim da concessão está em torno de R$ 2,3 bilhões. Porém, o valor que seria efetivamente transferido ao novo concessionário depende da indenização à ABV, que ainda será calculada em arbitragem.
Na visão de uma fonte, que falou sob condição de anonimato, o governo não quer se comprometer com a questão da transferência da dívida porque não tem como fazer os cálculos no momento. Caso o valor seja alto, ele poderia até mesmo inviabializar a equação econômico-financeira do ativo na relicitação.
Diante de um cenário que depende de outros órgãos do governo, a empresa entende que a Anac deveria ter aberto bases para negociação da minuta de aditivo ou ter aprovado um texto-base, e não “empurrado” a assinatura de um “contrato de adesão”, que iria contra o princípio de extinção amigável da concessão, alega.
Em carta ao regulador, a concessionária se queixou ainda da possibilidade de o novo concessionário assumir a operação sem que ela seja indenizada por seus ativos no valor definido pelo tribunal arbitral. Para a ABV, a Procuradoria Federal equivocou-se ao dizer, em parecer, que a nova licitação poderia acontecer antes do desfecho da arbitragem. Nesse sentido, a empresa defende ajustes nas cláusulas apresentadas, para que ela possa permanecer com o ativo até a decisão do tribunal arbitral sobre sua indenização.
Por trás disso, está ainda o interesse da companhia em se manter na concessão, mesmo após toda a novela que já dura anos. Desde o início do imbróglio em Viracopos, a ABV vem defendendo o reequilíbrio econômico-financeiro do seu contrato de concessão – tem, inclusive, uma série de pedidos de reequilíbrio judicializados.
Ontem à noite, a concessionária convocou uma assembleia geral extraordinária (AGE) para discutir a assinatura do termo – a decisão não saiu até o fechamento da reportagem. Mesmo se decidirem pela assinatura, o grupo considera que há um risco elevado de que o BNDES fique insatisfeito com a mudança num dos pilares do plano de recuperação judicial.
Procurada, a Anac informou que acatou o prazo pedido pela concessionária para assinatura do termo aditivo, e não fez mais comentários.
O Aeroporto de Viracopos está desde 2012 sob concessão da ABV, em recuperação judicial, com controle dividido entre UTC e Triunfo. A Infraero é sócia minoritária (49%). Quatro consórcios já foram habilitados a fazer o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) dos estudos para a relicitação do ativo. O prazo para entrega desses estudos é janeiro de 2021.
Fonte: Valor Econômico